Por vezes tenho a percepção que habitamos dois mundos diferentes – o “online” e o“offline”, e que somos capazes de passar de um para outro de forma tão suave, imperceptível, sem fronteiras demarcadas ou controles de imigração; nem vistos ou passaportes. Com muita frequência, podemos estar nos dois mundos ao mesmo tempo e compreender que cada mundo tem seu próprio conjunto de expectativas à espera daqueles que nele ingressam. Cada mundo também tem seus próprios padrões de comportamentos ideais – modos de “ser, estar e parecer” recomendáveis – variados “rótulos morais”. Assim, esses conjuntos de expectativas e recomendações se misturam nas diversas áreas da vida pessoal, social e profissional, nos tornando cada vez mais seres híbridos.
Zygmunt Bauman (2017) alerta que, dentro do mundo offline, eu estou sob controle do governo, das instituições que frequento e dos grupos que participo. Já no online parece acontecer o contrário. Eu estou no controle, ou simplesmente tenho a sensação do controle.
Basicamente, de acordo com o pensamento do baubaniano, eu pertenço ao mundo offline, enquanto o mundo online pertence a mim. Passar do mundo offline para o online assemelha-se a entrar num mundo obediente à minha vontade, pronto e ansioso por concretizar meus desejos. Eis uma comparação pertinente com o comportamento de um “cliente diante da aquisição e do consumo de produtos e serviços”, e semelhante à sensação de poder e controle sobre determinados aspectos da vida. Portanto, perante tantos conflitos cotidianos, diversidades e discórdias, gerando um estado de cegueira moral, é importante entender que a internet, sem dúvida, não é a causa do número crescente de internautas moralmente cegos e surdos, mas ela facilita e alimenta demais esse crescimento. Seja na internet, seja fora dela, no contexto da Sociedade líquida de Zygmunt Bauman, a primeira reação à presença de um “Outro” tende, assim, a ser de vigilância e suspeita, medo e ansiedade.
Logo, infelizmente, estamos vivendo a maior parte do tempo num mundo de guerra de todos contra todos, em que amigos de Facebook são divertidos para “gritar” juntos, ou inimigos também para gritar, por meios de postagens, fotos, likes e compartilhamentos, mas, infelizmente, de pouca ou nenhuma utilidade para “fazer” coisas juntos.
Assim, assistindo à série “Black Mirror”, criada pelo roteirista britânico Charlie Brooker, que estreou em 2011 no canal televisivo Channel 4 e que atualmente está disponível na plataforma de filmes e séries Netflix, foi praticamente impossível não fazer relações com a teoria da Modernidade Líquida de Bauman (2001).
Uma série que proporciona fazer uma reflexão sobre a distopia em narrativas fragmentadas (pois é possível assistir a partir de qualquer episódio) e perceber as críticas sobre nossa a sociedade líquida, mostrando que passado, presente e futuro poderiam acontecer simultaneamente e que a individualidade, o hedonismo, a mecanização das ações e sentimentos e a fragilidade e efemeridade das relações sociais líquido-modernas parecem enfraquecer a cartela de possibilidades que a vida nos traz. A cegueira moral, o medo social, a necessidade paradoxal de liberdade e segurança e a exaltação da imagem, como moeda de valor, seriam um dos elementos apresentados na série. Portanto uma série que não trata especificamente de tecnologias futuristas, mas sim do comportamento humano frente as tecnologias e possibilidades.
Entre alunos, alunas, colegas e clientes do contexto educacional e empresarial, fico me perguntando se já ultrapassamos algumas margens deste modo de “ser e estar Black Mirror”. Deste modelo de hibridização dos comportamentos... Se já nos permitimos ser mais humanos uns com os outros, mesmo quando nos deparamos com a competitividade da vida social e profissional – e sua norma da adaptação constante para sobreviver num mundo repleto de inovação e revoluções tecnológicas. Me questiono se paramos para pensar sobre a importância de se desenvolver cada vez mais nossas habilidades humanas e com elas experienciar jornadas pessoais, sociais e profissionais disruptivas. Portanto, desafio-lhe, se assim aceitar, a se permitir reprogramar pensamentos e comportamentos robotizados e alienados advindos destes “tempos Black Mirror” de se viver. Para isso, se faz necessário refletir sobre os próprios pensamentos e comportamentos cotidianos e compreender o quanto eles estão ajudando a atingir metas, satisfações e expectativas de forma saudável e humanista – individual e coletivamente.
Conte comigo nesta jornada de mudança de mentalidade…ficarei feliz em participar destes insights durante suas travessias. Para isso existe o Mentoring (pessoal e organizacional)… em breve mais sobre ele!