Mariana Domitila

Doutora em Educação e Mentora Transformacional

SUJEITOS-PRODUTOS? As prateleiras dos supermercados da vida

A felicidade, numa sociedade de consumo, ou seja, líquido-moderna (Bauman, 2001), pode passar a ser percebida como objeto, condicionado ao consumo. É preciso “ter”, mas não apenas um objeto de desejo, como na sociedade sólida, um carro, uma casa; você precisa ter vários objetos, não necessariamente usufruir deles. Basta apenas comprar, visto o número crescente de “coisas” que as pessoas compram e nunca usaram. “Ter” posses ou likes no Instagram, não importa, é uma felicidade coisificada, momentânea, para proporcionar status e validação social. – se compro determinando produto ou marca, sou capaz de ser feliz e de ser reconhecido, e de me reconhecer pertencente à sociedade. Se tenho determinada atitude; se tenho determinado número de seguidores ou curtidas e assim por diante. Caso contrário, posso ser descartado pela sociedade, o que pode ser extremamente doloroso, dentro da lógica dos aspectos da vida líquida. 

Portanto, parecer feliz, parecer saber, parecer estar atualizado, aparecer, podem proporcionar a sensação em si e não sua concretude. A regra hoje é: antes mostrar do que sentir ou ser efetivamente: “A noiva é tão bela quanto esse primeiro plano fotográfico sugere? A imensa maioria se diz feliz, contudo, a tristeza e o estresse, as depressões e as ansiedades formam um rio que engrossa de maneira inquietante” (LIPOVETSKY, 2007, p. 16).

O sociólogo Erving Goffmantambém preocupado com os possíveis efeitos das interações sociais contemporâneas nos indivíduos e nas suas vidas trabalha com a ideia de que é necessário imaginar que essas interações sociais estão ocorrendo no espaço de um “teatro imaginário”. Desse modo,

[…] como membros de uma plateia, é natural sentirmos que a impressão que o ator procura dar pode ser verdadeira ou falsa, genuína ou ilegítima, válida ou mentirosa. Esta dúvida é tão comum que, como foi indicado, damos frequentemente atenção aos aspectos da representação que não podem ser facilmente manejados, capacitando-nos assim a julgar a fidedignidade das mais deturpáveis deixas da representação. […] E se permitirmos, de má vontade, que certos símbolos de posição social estabeleçam o direito de um ator a um dado tratamento, estamos sempre prontos a precipitar-nos sobre as rachas da sua armadura simbólica, a fim de desacreditar suas pretensões. (GOFFMAN, 2007, p. 60)

Segundo Bauman, tudo isso reforça o medo de ser descartado ou mesmo de se sentir desatualizado. O medo de estar por fora do que está acontecendo de mais novo e melhor! O medo de não ser admirado e reconhecido se equipara a não ser visto e, portanto, praticamente não existir na sociedade líquido-moderna.

“Destruição criativa” é a forma como caminha a vida líquida, mas o que esse termo atenua, e silenciosamente ignora, é que aquilo que essa criação destrói são outros modos de vida e, portanto, de forma indireta, os seres humanos que os praticam. A vida na sociedade líquido-moderna é uma versão perniciosa da dança das cadeiras jogada para valer. O verdadeiro prêmio nessa competição é a garantia (temporária) de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo. (BAUMAN, 2009, p.10, grifos do autor) 

Outros fatores interessantes a serem observados são nossas relações com o tempo, com as tarefas, as metas e o cansaço. É como se o tempo escorresse entre nossos dedos e, cada vez mais, de forma mais fugaz. A quantidade de tarefas, que acumulamos sob nossas responsabilidades, aumenta bombasticamente, enquanto o tempo parece reduzir-se significativamente. Em paralelo, nos deparamos com um cansaço (físico e mental) extremo, diante das exigências do “modelo de sujeito ideal: multitarefas” que a vida líquida parece apresentar. 

A infelicidade intima e profissional foi relacionada ao cosmo hipercompetitivo, cuja característica é tornar o indivíduo cada vez mais responsável por si próprio. Em um tempo marcado pelo enfraquecimento dos enquadramentos coletivos e pela exigência, martelada em toda parte, de tornar-se um eu, ator de sua vida, responsável por suas competências, a tarefa de ser sujeito torna-se extenuante, depressiva, cada vez mais difícil de assumir. (LIPOVETSKY, 2007, p.201)  

Em Sociedade do cansaço, livro do sul-coreano Byung-Chul Han (2017), professor de filosofia e estudos culturais da Universidade de Berlim, encontram-se afirmações comuns para o problema das relações entre sociedade e sofrimento psíquico, dentre elas a de que cada época tem suas enfermidades. Posicionando os sofrimentos psíquicos, atualmente como desvios neuroquímicos, ele afirma que nossa época se configura como uma “violência neuronal”. Sua explicação passa pelos aspectos fisiológicos do sistema nervoso – sofrimentos psíquicos como síndrome de burnout, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e depressão – e sua relação com o modo operatório do capitalismo contemporâneo. “O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa auto exploração. […] Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal” (HAN, 2017, p. 30). Byung-Chul Han sustenta que as sociedades ocidentais não são mais designadas pela negatividade típica de épocas e dispositivos “imunológicos”, cujos mecanismos de defesa são a reação, o estranhamento e o isolamento do estranho como formas de proteção, “trata-se de uma violência imanente ao próprio sistema” (HAN, 2017, p. 20).

Reforçamos, portanto, a ideia de que dentro da vida líquida “o sujeito de desempenho contemporâneo não está submisso a ninguém, salvo a ele próprio” (HAN, 2017, p. 101). Em outras palavras, o sujeito narcísico e de desempenho solicitado em nossos dias não realiza a meta, uma vez que: concorrendo consigo próprio, é incapaz de chegar à conclusão. A ilusão da conclusão do homem ou mulher resulta na frustração, ao mesmo tempo em que alimenta a lógica da coisificação do sujeito líquido-moderno. Concluir-se como produto acabado e pronto a ser distribuído e promovido. Vendido! Sujeitos-mercadorias.

Na vida líquida, o sujeito esforça-se constantemente para atingir e manter a “imagem” certa, ou seja, a forma perfeita num mundo sem formas. Paradoxalmente luta-se para descoisificar-se e coisificar-se nas prateleiras off-line e on-line dos supermercados da vida. 

Bauman ressalta que, em todos os mercados, valem as mesmas regras. Sejam mercadorias, produtos físicos ou serviços, ou mesmo pessoas, sempre haverá regras de marketing promocional a serem seguidas.

Primeira: o destino final de toda mercadoria colocada à venda é ser consumida por compradores. Segunda: os compradores desejarão obter mercadorias para consumo se, e apenas se, consumi-las for algo que prometa satisfazer seus desejos. Terceira: o preço que o potencial consumidor em busca de satisfação está preparado para pagar pelas mercadorias em oferta dependerá da credibilidade dessa promessa e da intensidade desses desejos. (BAUMAN, 2008, p.18)

Assim, entre os desafios e oportunidades de uma vida líquido-moderna, convido-lhe a questionar-se, sobre alguns pontos, e possibilitar ampliação de visão de mundo acerca dessas temáticas, e como elas podem impactar positivamente ou negativamente sua vida (pessoal e profissional).

  1. Em algum momento você já se viu, sentiu ou compreendeu como um produto exposto nas prateleiras off-line e (ou) on-line dos supermercados da vida?
  2. As instituições, empresas e marcas, com as quais você negocia – trabalha e ou consome – na sua percepção, como lhe tratam neste sentido?
  3. Qual é o peso da sua imagem pessoal (aparência + intelectualidade + comportamento) para os acontecimentos da sua vida?
  4. Como compreende a felicidade? Sente-se feliz?
  5. Como lida com as metas que estabelece?

Questões que de algum modo, poderão, se você quiser, proporcionar uma nova perspectiva, mais consciente e ativa sobre sua própria identidade, crenças, valores, capacidades e comportamentos nos ambientes que atua e com as pessoas que convive, permitindo uma visão mais ECO e menos EGO.

Boa reflexão-ação!

Publicado por

Mariana Domitila Padovani Martins
Doutora em Educação e Mentora Transformacional 🧠💡

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *